segunda-feira, 22 de junho de 2015

O ponto de vista de Roberto Azevedo

O brilho nos olhos, o vovô do Zion e o eterno recomeçar.

O último dia 06/06 foi especial para o rock independente do Rio de Janeiro. O Imperator - Centro Cultural João Nogueira recebeu a terceira edição do ZN em Chamas, evento promovido pela Liga Hardcore-RJ. No palco, Ratos de Porão, em show de lançamento do novo CD Século Sinistro, com a abertura de duas lendas do underground carioca, Banda Oitomilimetros e Protesto Suburbano.



O 8mm abriu a noite com a energia de sempre. Muito bom ver uma banda com quinze anos de estrada apresentar tanto entusiasmo, sensibilidade e brilho nos olhos. O setlist foi curto e grosso ("Visceral!", diriam os antigos) e reunia amostras dos quatro álbuns da banda, Simplesmente Simples, Mucho Gusto, Onde Mora a Justiça e Rei da Rua. Foi tão avassalador que, de início, deixou o público hipnotizado. Parado. Eu estava na companhia de Chiquinho, vocalista do Mau Mau Pressagio e Ðynha Farias, sua mulher. Assistia ao show enquanto bebia uma garrafa de água, eis a eficácia da Lei Seca. O casal matava uma cerveja tranquilamente até o momento em que Chiquinho, após notar aqueles roqueiros parados, disse: "Que desperdício! Vou agitar essa parada!" Emborcou um gole generoso de cerveja. Babou um pouco. Secou a barba grisalha com as costas da mão, estufou o peito e saiu em desabalada correria ao encontro da galera. A base de encontrões, empurrões e sopapos, desfez aquela hipnose coletiva. E foi assim que se inaugurou a roda de pogo... Com o microfone na mão e o cenho franzido, o vocalista Fabio Lima mirava o público, agora convulsionado, e, nome a nome, exaltava a presença dos rostos familiares que pipocavam diante dele. Gratidão, signo de nobreza.



Na sequência veio a Protesto Suburbano que incendiou de vez a noite. Criada em 1995, a banda, uma das mais queridas da cena, se tornou referência obrigatória. O setlist foi certeiro. Um perfeito raio-x da atual conjuntura política. Os destaques foram as músicas “Ciclo Vicioso”, “Massacre Capitalista” e “Carteirinha”, esta última nos adverte que "Agir de maneira consciente é preciso/ Ajudar o próximo é necessário". Ainda rolou o cover de "Seus amigos" (Serial Killer), com a participação de Álvaro Zimmermann, vocalista da icônica banda carioca. Lá pelas tantas, o vocalista Sandro Santuchi autorizou o merchan a liberar brindes para a galera. CDs do Protesto Suburbano grátis! "Isso que é ajudar o próximo!", disse um gaiato ostentando o seu brinde.

A banda de Macaé deu lugar aos paulistanos do Ratos de Porão. E o Imperator foi a loucura! Logo de cara, um pedido do João Gordo: "Segurança, deixa a molecada subir, sem problema". Desconcertados, os seguranças se retiraram enquanto a galera comemorava. A comemoração foi seguida da advertência: "Só tomem cuidado com os equipamentos, senão vou meter a porrada!". Não precisou falar duas vezes. A galera se acabou nos moshpits (e lá estava mais uma vez o incansável Chiquinho lançando-se ao vazio com seu ventre rotundo); alguns abraçavam os integrantes da banda; outros assumiam os backing vocals... O palco virou uma festa embalada por clássicos como "Sofrer", "Ascensão e queda", "Beber até morrer"... E a roda de pogo comia solta

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Meu joelho bichado me manteve na condição de mero observador. Volta e meia a luz focava o público e permitia ver a galera que prestigiava o evento. Rostos conhecidos que tocam adiante a história da música independente: Halé HC, Cervical, Banda Ataque Aéreo, Mau Presságio, Prol, DIABO VERDE,Macacos MeMordam. Também havia uma molecada ainda mais jovem curtindo as bandas, cantando as músicas, tirando selfies... Em suma, agitando a festa. "Juntos, todos fazem a cena viver!", resumiu um já meio alcoolizado Chiquinho, com aquela sabedoria que só os bêbados têm.

Renovação sem desprezar os ancestrais. Todos estavam ali para celebrar as brilhantes trajetórias do 8mm, do Protesto Suburbano, do Ratos de Porão. Bandas que, há muito tempo, deixam um rastro de luz por onde passam. Trajetórias que se renovam há 15, 20, 34 anos! A história é um eterno recomeçar... Pensava nisso quando avistei um velho camarada,Zumby Tatuador. "E aí rapaz, como vai?", a conversa tinha que ser aos gritos, devido a sonzeira do ambiente. Logo, o anúncio da boa nova: "Meu neto nasceu, cara. Estou feliz pra caramba!". Dei-lhe os parabéns e perguntei o nome: "Zion!". Seus olhos brilhavam! Diante de mim não estava o talentoso e respeitado tatuador ou o eterno vocalista do REPÚDIO - RJ, mas sim um vovô coruja que era só orgulho e sorrisos. "Nasceu quando?", perguntei. "Está com quatro meses!" Seus olhos brilhavam...

O show acabou e as luzes do Imperator foram acesas de vez. Me despedi de Zumbi, renovando os votos de felicidade. "Chegou mais um roqueiro na área, Zion!", ainda gritava, sem perceber que o show tinha acabado. Estava todo bobo. Feliz! Fiquei olhando o sorridente e orgulhoso vovô ir embora. Seus olhos brilhavam.

Bem vindo, Zion! Que sua trajetória seja um contínuo rastro de luz.

A história é um eterno recomeçar...


Por Roberto Azevedo

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